Quem tem medo de exercer autoridade?

Como mulheres, somos muitas vezes ensinadas a ter medo do poder. Foi assim que eu venci esse medo.

Quanto eu tinha 5 anos em uma viagem de acampamento, alguém acidentalmente trancou nosso trailer com as chaves dentro. Estávamos com calor e muito infelizes. Meus pais e os outros adultos elaboraram um plano para me fazer escalar até o compartimento estreito de bagagens, então eu entrei na abertura escura e meu pai me ajudou a atravessar a escotilha para dentro do trailer. Enquanto eu pegava as chaves e destrancava o trailer, minha família e os amigos do acampamento gritavam de alegria: “Você salvou o dia!” e eu sorria. Eu tinha corrido um certo risco, e com ele veio uma certa autoridade: eu sozinha pude salvar os acampantes de uma noite sem abrigo.

Agora, 30 anos depois, eu dificilmente lembro de um momento em que tenha me sentido tão orgulhosa e realizada, de um jeito puro e descomplicado. Nos anos seguintes, meu relacionamento com autoridade e responsabilidade se tornou mais complexo e angustiante. Eu quero me arriscar e ajudar pessoas, mas fico constantemente intimidada por qualquer posição em que as pessoas contem comigo.

Empoderar mulheres para liderança é uma conversa em voga atualmente. Livros como “Faça Acontecer”, de Sheryl Sandberg, “Unfinished Business” [“Negócios inacabados”, não traduzido para português], de Anne-Marie Slaughter e “A Woman’s Place” [“Um Lugar de mulher” em tradução livre, não traduzido para português], de Katelyn Beaty, olham para a força do sistema e da cultura que limitam a liderança feminina, tal como as lutas internas que nós mulheres frequentemente encontramos quando assumimos o poder.

Muitas de nós internalizamos falsas mensagens sobre a natureza da mansidão, da humildade e da feminilidade que nos levam à auto-sabotagem e a desvalorizar nosso próprio chamado. Como Sandberg escreve, “Nós nos restringimos de maneiras grandes e pequenas, por falta de auto-confiança, por não levantarmos nossas mãos e por desistirmos”. Isso pode ser ainda mais real para algumas mulheres evangélicas que sutilmente, até subconscientemente, passam a acreditar que evitar a liderança faz parte de ser uma mulher santa. Mas encorajar mulheres a aceitar que elas podem exercer autoridade é essencial para o discipulado, e é uma tarefa que todos nós – sendo a favor da ordenação feminina ou não – podemos apoiar. Tanto para homens quanto para mulheres, aprender a incorporar autoridade é essencial para o florescer humano.

No seu novo livro “Strong and Weak” (Forte e Fraco, em tradução livre), Andy Crouch afirma que o frutificar vem quando indivíduos e comunidades são capazes de praticar autoridade – o que ele define como “capacidade de ação significativa” – juntamente com vulnerabilidade, definida como “exposição a riscos significativos.” Ter autoridade sem vulnerabilidade leva a exploração de outros. Vulnerabilidade sem autoridade gera sofrimento e até (em casos extremos) escravidão. Se não há nem autoridade nem vulnerabilidade, nos encontramos em “retirada”, onde nos arriscamos tampouco impacto, influência ou capacidade de ação.

O livro de Crouch me dá palavras para descrever minha relação complexa com o poder. Eu tenho um medo enorme de ocupar posições de autoridade, e esse medo – combinado com um pouco de vaidade – tem me levado a evitar posições de liderança e o crescimento que vêm com elas. Até ler “Strong and Weak”, eu chamava erroneamente esse medo de “humildade” porque eu confundia evitar poder com evitar orgulho. Minha confusão era envolta por noções de feminilidade que eu tinha absorvido na época que aprendi a dançar: mulheres são conduzidas. Nós não conduzimos. Não podemos nos afirmar tão fortemente. Cada realização deve vir com auto-depreciação e dúvida de si mesma. Tomar autoridade é de alguma forma não-feminino.

Eu não sei exatamente de onde essas ideias vieram. Cresci vendo forte exemplos de mulheres em posições de autoridade – minha mãe era prefeita em sua pequena cidade – evidentemente, nunca me disseram que ser mulher e autoridade eram coisas mutuamente exclusivas. Mesmo assim essas ideias formaram minha vocação, discipulado e relacionamentos.

Eu recebi o chamado para o ministério bem cedo na adolescência e estive no ministério leigo durante a maior parte de minha vida adulta, mas logo que fui ordenada, eu me apavorei. O fato de ser mulher ordenada gerou críticas que eu nunca tinha visto antes. A nova autoridade, conferida a mim pelo meu bispo, não era algo que eu usava com orgulho; era algo que eu queria esconder. Toda vez antes de vestir o colar clerical, eu tinha um debate angustiante sobre o que as pessoas iriam pensar, que tipo de declaração eu estava fazendo, e se eu sequer deveria vesti-lo.

Mesmo fora do meio eclesiástico ou ministério, às vezes eu tenho dificuldade em demonstrar minha autoridade. Alguns meses atrás em uma discussão online, um autor citou algo efetivamente incorreto, mas tive receio em apontar publicamente o erro. Depois de me ouvir lutar comigo mesma em voz alta por 10 minutos – corrigir o erro soaria tão ofensivo? – meu marido balançou a cabeça e disse: “Nenhum homem que eu conheço se inquietaria por tanto tempo sobre corrigir alguém.”

Minha inclinação natural e a maioria dos hábitos intrínsecos não red me levaram diretamente à “terra da isolamento” de Crouch (Meu marido e eu brincamos que eu tenho uma casa de temporada lá). Homens e mulheres são tentados, pela segurança e facilidade, a retroceder mas costumam ser tentados de maneiras diferentes. Embora hajam exceções, os homens são geralmente encorajados a exercer autoridade e fugir da vulnerabilidade – eles são ensinados a não chorar ou mostrar fraquezas – enquanto a maioria das mulheres é criada para se sentir confortável em nossa vulnerabilidade e evitar posições de autoridade. A historiadora Kate Bowler descobriu em sua pesquisa, que mulheres líderes nas igrejas e no cenário de conferências cristãs para mulheres encaram um jogo de “empurra-puxa” entre a perfeição que exigimos das líderes femininas e “a vulnerabilidade e exposição que é exigida das mulheres em público.”

Nós vemos essa mesma tensão fora da igreja e espaços para-eclesiásticos. Em A Woman’s Place, Katelyn Beaty fala de uma advogada de São Francisco chamada Liz Aleman, que foi desencorajada pelo pastor a estudar Direito, porque “nenhum homem cristão iria querer casar com uma advogada”. Consequentemente, uma de suas “feridas mais profundas” é “o medo de homens cristãos não gostarem de mim porque sou uma advogada.” A própria Beaty admite que “como mulher, fico desconfortável com o poder em si, porque mulheres poderosas nos deixam muito nervosas.”

Como uma mulher pequena fisicamente, que cresceu no Sul dos Estados Unidos, a vulnerabilidade aparece naturalmente diante de mim, mas a fé em Jesus significa tomar posse da autoridade que me foi dada, mesmo quando isso é aterrorizante. Crescer em autoridade é parte do processo de descobrir a verdadeira visão de Deus sobre feminilidade – uma feminilidade que floresce e chama outras para seu próprio florescer. E apesar se ser mais fácil para mim me encaixar no papel esperado para as mulheres, de serem as ouvintes por trás das cenas, ainda assim eu estou aos poucos recondicionando a mim mesma a abraçar a liderança de forma mais aberta.

Então, o que isso quer dizer na prática? Significa ser corajosa o suficiente para viver o meu chamado em momentos comuns do dia a dia.

Há alguns meses, uma amiga me abordou depois de um culto para perguntar se eu poderia ouvir sua confissão. Ela estava sofrendo com o pecado e a dor de seu passado, queria falar com algum líder da igreja e preferia conversar com uma mulher. Nós combinamos um horário para nos encontrarmos. Quando cheguei, eu estava estranhamente nervosa e me perguntei rapidamente se deveria dar um jeito de fugir. Durante o ministério no campus universitário, eu tive centenas de conversas com jovens mulheres sobre a ação de Deus em meio às suas lutas, mas eu costumava abordar essas conversas mais como uma parceira e amiga.  Dessa vez, eu coloquei meu colar clerical e fui como uma líder da igreja. Ela não precisa de uma amiga – precisava de uma pastora. Ela estava procurando por uma autoridade espiritual.

Assumir essa posição de autoridade me assustou, mas eu fui mesmo assim. Eu a ouvi, a encaminhei por um momento de confissão, orei por ela e chorei com ela.

Enquanto minha amiga e eu sentamos na frente uma da outra, ela arriscou a vulnerabilidade da confissão e eu arrisquei a vulnerabilidade da autoridade. Nós éramos duas mulheres, amadas de Deus, aprendendo a florescer juntas.

 

 

Este texto é uma tradução (autorizada pela autora) do original “Who’s Afraid Of Her Own Authority?” que você pode conferir clicando aqui.

Tish Harrison Warren é sacerdotisa na Igreja Anglicana na América do Norte e trabalha com a iniciativa InterVarsity Women in the Academy & Professions. Ela é autora da Liturgy of the Ordinary: Sacred Practices in Everyday Life (IVP, dezembro de 2016). Mais em: TishHarrisonWarren.com

Tradução: Luciana Petersen

Colaboração: Cristina Rati

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