ENTREVISTA COM PRA. PRISCILA KUME – PLENITUDE E DESAFIOS DO PASTORADO FEMININO

Entrevista de Bianca Rati

No dia 19 de julho eu tive a feliz oportunidade de conversar com a pastora da minha igreja local, a querida Priscila Kume. Com 35 anos e formada em teologia pelo Seminário da Igreja Presbiteriana Independente em 2004, a pastora me contou que pretende concluir ano que vem a faculdade de direito que começou há um tempo. Na entrevista que vocês vão ler a seguir, falamos sobre a descoberta da vocação para o pastorado, a vivência na profissão e os desdobramentos disso na família e no pessoal.

Agradeço muito a Pri pela conversa e por compartilhar tantas experiências conosco. O papo foi muito bom e rendeu uma longa entrevista, mas recomendo toda a leitura para que você leitora (or) possa conhecer mais sobre essa realidade ministerial, ser inspirada (o) e continuar refletindo sobre o papel exercido pelas mulheres no serviço eclesiástico.

 

Bianca: Há quanto tempo você está como pastora na IPIC?

Pra. Priscila: 13 anos.

 

B: Como você decidiu se tornar pastora? Como foi seu chamado?

P: Como eu sou filha de pastor, fui criada na igreja, cresci amando a Igreja. Não sei o que é não ir para igreja, sempre fez parte do meu dia a dia: igreja, música e tudo mais. Quando eu realmente senti que era isso que queria seguir, era isso que Deus tinha para a minha vida, eu tinha uns 17 anos, estava terminando o segundo grau. Na verdade queria fazer odontologia, mas numa ministração de um acampamento eu senti Deus falando para mim: “Olha, você tem que servir na igreja, é o seu lugar. A igreja é seu lugar.” E eu entendi.

Depois tem todo um trâmite burocrático para você ir para o seminário. Você precisa passar pelo presbitério através de uma entrevista, uma sabatina. Na primeira vez que eu fui, no ano 2000, eu não passei pelo presbitério, eles me acharam muito nova, tinha 18 anos. Me acharam muito nova para o seminário em Londrina e tudo mais. Mas durante aquele ano, 2000, eu fiquei trabalhando na igreja, mesmo sem teologia nem nada e fui sentido que era aquilo que Deus estava direcionando para minha vida. Então no ano 2001 eu fui para Londrina para estudar [no seminário]. Hoje se me perguntassem “se você não fosse pastora, você seria feliz?” Eu acho que seria feliz, porque Deus tem vários caminhos para nós, mas eu me sinto muito plena, muito realizada naquilo que eu faço.

 

B: E você já era da IPI mesmo? Daqui [IPIC] ou de outra IPI?

P: Já era da IPI, cresci na IPI. Meu pai é pastor jubilado agora, está aposentado da IPI. De Curitiba, mas não aqui da primeira, IPIC.

 

B: Eu ia perguntar porque você escolheu participar da IPI mas você disse que cresceu aqui, então, o que te faz continuar?

P: Primeiro que eu amo essa igreja, não só a Primeira Igreja (IPIC), mas a instituição IPI, para mim é uma instituição muito livre, muito aberta, muito moderna. Embora vá completar dia 31 de julho 144 anos, é uma igreja que está sempre avançando, no que se diz na teologia, não é uma igreja tapada. Ela olha para as coisas, ela faz uma boa hermenêutica do mundo, sem ferir em nada algum princípio bíblico.

Eu amo a IPI por causa dessa liberdade que a gente tem de pensar, de dialogar a teologia de um modo contextualizado, que é a raiz da IPI. Ela nasceu assim, rompeu com a IPB (Igreja Presbiteriana do Brasil) por causa desses conceitos de fazer uma igreja brasileira, porque a igreja tinha muito o modelo americano. Então a IPI surgiu disso: de fazer uma teologia contextualizada para o Brasil. E hoje eu vejo que a nossa teologia é muito aberta – embora existam outras IPIs que seguem um pouco mais fechadas – mas eu acredito que é uma igreja que dialoga bem com o mundo e com a palavra de Deus.

 

B: Há quanto tempo a IPI aceita o pastorado feminino? Como foi esse processo dentro da denominação?

P: Aproximadamente 17 anos, ali por 1997/1998… Eu lembro do presbitério que teve aqui… Os presbitérios se reuniram com as suas igrejas, por exemplo aqui em Curitiba, os presbitérios votaram nesta matéria. Mas não foi um processo muito simples não, foi uma caminhada. Tem muitas IPIs no Brasil que ainda não aceitam. No nordeste tem muita aceitação, lá tem várias pastoras, talvez por causa da cultura, as mulheres vão à frente. No sul são menos pastoras.

 

B: Quais são as tuas principais dificuldades dentro da atividade pastoral? Não apenas como mulher, mas na prática pastoral mesmo.

P: Lidar com essa fé líquida né? Baumann podia escrever um livro só sobre isso (risos). Mas eu acho que é muito difícil você lidar com essa fé líquida que o povo tem aderido cada vez mais: do comércio. Agora, se tratando de igreja mesmo, eu não tenho muitas dificuldades… O que eu não gosto de fazer é funeral. Eu me emociono muito, ainda mais quando é alguém daqui (da Igreja) que você caminhou, visitou, estava mais junto.

As pessoas tem uma boa aceitação, é uma igreja que tem 112 anos, vai fazer 113 em outubro, eu sou a primeira e única pastora nesses 113 anos. Então no começo eu acho que o pessoal não entendia muito bem, né? Mas eu nunca sofri nenhum tipo de preconceito ou discriminação, as pessoas aceitaram bem. E hoje eu me sinto muito amada por essa igreja, eu amo o que eu faço.

 

B: E fora da IPI, como foi essa questão (do preconceito)?

P: Eu fiz  um casamento e depois fui pra festa, encontrei um senhor, parente da noiva. Ele me cumprimentou e falou: “Ah eu sou da igreja tal mas eu não concordo, com você ser pastora. Seu marido é pastor?” (as pessoas já acham isso, porque existem algumas comunidades que a mulher do pastor é pastora, ela não precisa necessariamente fazer teologia). Ele falou “não concordo” e o que você fala numa hora daquela? Quando o cara fala que não concorda, que acha anti-bíblico…

Olhei para ele e falei: “Olha, Deus te abençoe”, não era o momento de discutir. É o pensamento dele eu não ia mudar isso naquela hora, então só falei “Deus te abençoe”, eu estou em paz, eu sei do meu chamado. Depois a mulher dele veio atrás de mim e disse: “Ah, eu amei o jeito que você conduziu a cerimônia, achei tão lindo, mulher fala diferente…” Então você vê, duas opiniões contrárias. Tem bastante discriminação sim, acredito que em termos de instituição, a IPI avançou muito, mas ainda existe, como em todos os setores, um machismo velado, um medo.

Às vezes quando eu prego as pessoas falam como é diferente quando uma mulher prega a palavra. E eu, quando vejo homens pregando sou extremamente edificada, mas quando eu vejo mulheres falando eu acho que Deus deu um toque diferente para nós, um olhar diferente para chegarmos ao coração, alguma coisa diferente tem.

 

B: Como foi a sua formação para se tornar pastora?

P: Fui para o antigo seminário da IPI em Londrina (Paraná) por ser mais perto e era o único seminário integral, então a grade curricular era considerada muito intensa. Estudei lá 4 anos, de 2001 a 2004.

 

B: Qual a reação dos teus amigos ou outras pessoas ao se apresentar como pastora?

P: É complicado. Há um preconceito e estranhamento pelo estereótipo e o meu jeito. As pessoas não acham que o pastorado é uma profissão real, sempre perguntam o que eu faço além de ser pastora. Além disso tem a ideia de que toda pastora é uma mulher conservadora.

 

B: Como a sua família encarou sua decisão pelo pastorado?

P: Olha, foi muito tranquilo, porque a gente já vivia nesse clima de igreja, nessa bolha eclesial. Foi muito natural, eu realmente sempre gostei muito de estar na igreja. Lembro que eu preferia faltar na escola do que na igreja, sabe? Frequentava reunião de presbitérios com 10, 12 anos, ia todo ano e não tinha porque ir, eu gostava de estar lá. É claro que durante o seminário, como toda a faculdade, você passa por crises, você passa por momentos que pensa “será que não é melhor desistir? Tentar outra coisa? Será que eu estou no caminho certo?”.

Existiu um momento sim, que eu pensei em largar, mas em todo tempo minha família sempre me apoiou falando: “Pensa bem, se não for isso a gente tá junto com você, se for vai até o fim.” Sempre. Meus pais, falo para eles até hoje, são o pilar do meu ministério. Tudo que eu preciso, se eu preciso abrir meu coração, porque às vezes você não quer abrir nem com o marido, nem com ninguém, você quer abrir com teus pais, eles te entendem. Graças a Deus nunca tive problemas.

 

B: E seu marido, como vê essa questão?

P: No começo, para namorar comigo, ele foi levando né? “Namorada ainda, não precisamos pensar muito sério nessa questão”. Mas foi acontecendo, ficamos noivos e ele foi criando um amor. Se batizou aqui também, começou a ficar firme e entende o meu trabalho na igreja, que às vezes tira muito tempo, né? Da família, de ficar em casa, de dar atenção.

Quando acontece alguma coisa que eu não gosto ou que me chateia [no trabalho] ou situações de instituições que me deixam desapontada, eu procuro blindar. Existem coisas que não falo para ele, existem situações que vivi ou que vivo que não conto porque não posso talvez desiludir ou fazer com que se entristeça com meu trabalho, com a igreja ou com pessoas. Tenho que ter cuidado, senão acabo desiludindo, primeiro com Deus, com a Igreja e acaba influenciando no casamento, na família. Eu procuro ter muita sabedoria, tem coisas que eu não conto e ele sabe que eu não conto. Não é esconder, é apenas cuidado.

Mas ele encara tudo muito bem. Quando casei as pessoas falavam assim: “Ah, o Marcelo tem que arranjar um ministério, para ele te acompanhar…” e eu falava: “Não, não precisa.” Às vezes as pessoas entendem isso, que a mulher de pastor tem que fazer alguma coisa na igreja, que o marido da pastora tem que fazer algo na igreja e não é assim, eles já fazem: cuidar da gente, da casa da família, acompanhar, estar junto. É só o acompanhamento que é muito importante, é ruim quando você está junto com alguém, em qualquer área profissional, e a pessoa não te apoia. Ele me apoia.

 

B: E isso é muito legal, porque muitos caras se incomodam quando a mulher é quem aparece, que é a “estrela” e não eles.

P: Ele é um cara muito de backstage, não gosta de aparecer. Detesta que eu chame na frente, porque às vezes eu falo alguma coisa ou falo o nome dele e fica todo envergonhado porque é da personalidade dele. Não liga [de não aparecer], não sente ciúmes… Porque tenho acesso a muita gente e às vezes preciso atender homens. Quando isso acontece eu procuro atender aqui na igreja, com a porta aberta, por cuidado mesmo. Mas não atendo apenas mulheres não.

 

B: Quais as principais alegrias em ser pastora?

P: Falar de Deus, pregar. Apesar de ser uma grande responsabilidade e deixar a gente desesperado durante a semana, porque a gente tem escalas né? Então quando estou na escala, fico desesperada a semana inteira. Não sou eu quem vai falar, então qual é a mensagem que o povo precisa ouvir e que Deus quer falar pro povo? Eu peço para Deus me mostrar tudo certinho, para não ter problema. Vai acontecendo e Deus vai trazendo situações, momentos e textos. Mas o momento que estou ali [pregando] é um momento que eu amo, que me sinto realizada.

Eu gosto de cantar, sempre gostei, tenho isso como meu ministério também, e amo a música, acho que fala muito mais que pregação até. Esses dois momentos são maravilhosos. Às vezes na nossa caminhada como pastores tem momentos que estamos cansados, cansados da igreja, cansado das situações que a gente vive… Fazem 13 anos que estou aqui, existem algumas situações  que cansam. Mas quando acontece o culto, não sei, é uma coisa sobrenatural, me renova. Deus fala: “É aqui mesmo, então para de reclamar, porque é assim mesmo”.

 

B: Por fim, como você responde as pessoas que acreditam que mulheres não devem ser pastoras?

P: Vou responder de maneira bem simples: pessoas que falam isso, que não deveria ter pastoras, que não pode, que é anti-bíblico, deveriam conhecer mais a bíblia. Pra mim, não conhecem a bíblia. Porque a bíblia está cheia de mulheres que Deus usou. Acho que essa é a melhor resposta que pessoa pode encontrar sabe? Rute, Ester, Débora, tantas outras. As curas que Jesus realizou, a maioria delas era com mulheres.

Claro, a bíblia tem sim uma linguagem patriarcal porque ela foi escrita naquele tempo, mas nós não somos daquela época. A bíblia dialoga com o hoje, agora, com o amanhã e sempre vai existir. A pessoa que fala isso precisa conhecer verdadeiramente Deus e verdadeiramente a palavra de Deus. É uma pessoa que não conhece, que não tem a bíblia como palavra de Deus. E isso é muito sério.

Todas as pessoas podem ser usadas por Deus, independente se elas fazem teologia ou não, elas podem falar de Deus, eu acredito no sacerdócio real de todos os crentes, é o que a bíblia fala. Então quando eu ouço uma afirmação dessa, claro que com muito amor no coração, a gente dá um sorriso bem lindo e fala: “Amado, amada, você não está conhecendo a palavra de Deus”. E você sabe o que é o mais engraçado? Que às vezes dentro da Igreja, você não encontra só homens contra mulheres, mas também mulheres contra mulheres. O machismo dentro da mulher ainda é muito grande, porque tem mulher que tem inveja, que não quer a outra fale. Não é nem uma questão teológica ou bíblica. E isso é muito forte ainda nos nossos dias, você lidar com a cabeça das mulheres, ao ensinar de que ela tem que eleger uma presbítera, tem que aceitar uma pastora.

 

B: E também é o que a gente tá acostumado a ver né? A gente cresceu tenho como exemplo que as autoridades são sempre masculinas, então na hora de eleger uma presbítera a gente pensa: “Será que ela vai ser tão competente quando um homem?”

P: Isso é verdade, eu acredito assim: as futuras gerações, essas crianças que estão com 6 anos agora, vão ser muito diferentes na Igreja. Vejo aqui na igreja, as meninas de 6 e 7 anos… Um dia fui visitar a avó de de uma delas e elas estavam lá falando “Ah! A pastora chegou!”, fiquei encantada com a alegria delas em me receber. A avó falou assim: “Olha elas são suas fãs, porque elas acham você linda, o jeito que você se maquia, fala, canta…”. Elas brincam de pastora! Um dia em casa perguntaram para elas do que estavam brincando e falaram que estavam brincando de pastora Priscila. Estão tendo essa referência, eu não tive isso. Tive referência de líderes mulheres na escola dominical ou que organizavam coisas para as mulheres, mas pastoras, presbíteras? Não tive. E mesmo sem isso eu quis, aceitei esse chamado de Deus para ser referência. O maior desafio é esse: você ser referência para essas futuras gerações que, com certeza, algumas delas ali vão ser missionárias, pastoras… E já é muito natural para elas ver uma mulher falando. É mudança de pensamento, de cultura.

 

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