Erguendo a voz contra a morte certa
Marisa de Carvalho trabalhava como faxineira. Tinha 48 anos. Soube que o filho estava tomando uma dura da Polícia e partiu em defesa do rebento. Tomou uma coronhada de fuzil. Passou mal, foi levada pela família para um hospital. Morreu.
Claudia Ferreira tinha quatro filhos. E tomava conta de quatro sobrinhos. Aos 38 anos foi baleada na porta de casa. Foi jogada em uma viatura da PM. A porta abriu enquanto o carro andava e o corpo foi arrastado por 350 metros.
Jozelita de Souza era considerada uma mulher alegre, positiva. Cabeleireira. Trabalhadora. Não suportou a morte do filho e morreu quatro meses depois. Dizem que foi tristeza. O filho foi executado pela Polícia, com quatro amigos, quando ia comemorar o primeiro salário.
Claudia, Marisa e Jozelita viviam no Rio de Janeiro. Além da cidade, outro elemento as une: a cor da pele. Eram negras. Mulheres negras, filhas de pais negros, mães de filhos negros.
Assim como era negra a empregada doméstica Shirley Silva, de 29 anos. Moradora da zona leste de São Paulo, foi morta com sete facadas. Sete. E diante dos filhos. Yane Pimentel era mãe de uma menina de cinco anos. E estava grávida de seis meses. Tinha 28 anos. Foi para o hospital com fortes dores abdominais. Depois de dois atendimentos, atestaram morte fetal. A demora no procedimento, e a negligência, mataram Yane. Igualmente negra.
O genocídio da juventude negra não é somente a morte de jovens negros entre 16 e 29 anos. É a morte de suas mães, de suas irmãs, de suas tias, de suas avós. Somos nós, mulheres negras, mortas pela violência cotidiana – como se fosse aceitável uma violência cotidiana – somos nós, mulheres mortas pelo racismo institucional. Somos nós, negras, mortas por sistemas de opressões convertidos em políticas de extermínio.
Mortas ou vivas, a invisibilidade é o obstáculo que as mulheres negras enfrentam. Tem horas que tentam dizer que somos todas iguais. Não somos. E a desigualdade com a qual vivemos é a causa das nossas mortes.
Para nos fazer visíveis é preciso narrar nossas histórias. E mais, é preciso assumir o protagonismo delas, é preciso não deixar cruzado o caminho entre as opressões e as violências sofridas, nos organizando de todas as formas possíveis: nas ruas, nas escolas, nas igrejas. É preciso erguer nossa voz.
As mulheres negras, e pobres, fizeram a opção pela fé. Representam a maior parte do universo evangélico brasileiro. É preciso dizer a essas mulheres, é preciso dizer a nós, que a mulher sábia edifica sua casa (Provérbios 14:1) e que a sabedoria está em nos fazermos fortes. Erguendo nossas vozes em favor de nós mesmas, nos defendendo. Sendo as defensoras de nossos filhos, dos nossos sobrinhos, dos nossos meninos e das nossas meninas, de nossas crianças (Provérbios 31:8,9). Erguendo nossa voz – de mulheres negras – para falar de justiça, para promover justiça, defendendo os direitos dos pobres e necessitados. Que somos nós.
Nilza Valeria, mulher negra – a quem ninguém diz qual é o meu lugar. Crente, mãe de filhos negros e jornalista. Coordenadora Nacional da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito.
Essa postura é que vai nos levar a melhores condições humanas. Só nos juntando é que seremos mais fortes!
Parabéns pela excelente reflexão.
Como cantou Gonzaguinha: “Conte as estórias das pessoas nas estradas dessa vida”. Conte. Conte.