Estou cansada | Rosa Parks

Rosa Parks

Rosa Louise McCauley Parks (1913 – 2005) foi uma afro-americana ativista dos Direitos Civis que o Congresso dos EUA apelidou de “Mãe do Movimento dos Direitos Civis”.

Parks é famosa por sua recusa, em 1º de dezembro de 1955, em obedecer à exigência do motorista de ônibus James Blake de que ela cedesse seu lugar a um homem branco. Sua posterior prisão e julgamento por esse ato de desobediência civil desencadeou o “Montgomery Bus Boycott”, um dos maiores e mais bem-sucedidos movimentos de massa contra a segregação racial na história, e lançou Martin Luther King Jr, um dos organizadores do boicote, para a vanguarda do movimento dos direitos civis. Seu papel na história americana lhe valeu um status icônico na cultura americana e suas ações deixaram um legado duradouro para os movimentos de direitos civis em todo o mundo.

Seus ancestrais incluíam tanto a linhagem irlandês-escocesa, quanto a bisavó que fora escravizada. Frequentou escolas rurais locais e, depois dos 11 anos de idade, a Escola Industrial para Meninas em Montgomery, de onde cedo precisou sair para cuidar de sua avó. Quando criança, Rosa tomou conhecimento da segregação no Alabama. Ela experimentou o racismo profundamente enraizado e tornou-se consciente das diferentes oportunidades enfrentadas por crianças brancas e negras. Parks presenciou uma marcha da Klu Klux Klan passar por sua casa – onde seu avô os observava do lado de fora, munido com uma espingarda.

Em 1932, ela se casou com Raymond Parks, um barbeiro de Montgomery. Ele era ativista e Rosa Parks se tornou uma apoiadora ajudando na angariação de fundos e em outras iniciativas. Ela participou de reuniões defendendo os direitos dos negros e procurando evitar a injustiça.

Boicote aos ônibus de Montgomery

Depois de um dia de trabalho na loja de departamentos Montgomery Fair, Parks embarcou no ônibus da Avenida Cleveland por volta das 18 horas, de uma quinta-feira, 1º de dezembro de 1955, no centro de Montgomery. Pagou sua passagem e sentou-se em um assento vazio na primeira fileira de bancos traseiros reservados para negros na seção “colorida”, que ficava perto do meio do ônibus e logo atrás dos dez assentos reservados para os passageiros brancos. Inicialmente, ela não havia notado que o motorista do ônibus era o mesmo homem, James F. Blake, que a deixara na chuva em 1943. Enquanto o ônibus percorria sua rota regular, todos os assentos para brancos no ônibus estavam cheios. O ônibus chegou à terceira parada em frente ao Empire Theatre e vários passageiros brancos embarcaram.

Em 1900, Montgomery aprovou uma lei municipal com o propósito de segregar passageiros por raça. Aos brancos foi dado o poder de designar assentos para cumprir esse propósito; no entanto, nenhum passageiro seria obrigado a se mudar ou desistir de seu assento e ficar de pé se o ônibus estivesse lotado e nenhum outro assento estivesse disponível. Com o passar do tempo e com o costume, no entanto, os motoristas de ônibus de Montgomery adotaram a prática de exigir que os passageiros negros levantassem sempre que não houvesse assentos para brancos.

Segundo a prática padrão, o motorista, Blake, notou que a frente do ônibus estava cheia de passageiros brancos e havia dois ou três homens em pé. Portanto, ele moveu o sinal da seção “colorida” atrás de Parks e exigiu que quatro negros dessem seus assentos na seção intermediária para que os passageiros brancos pudessem se sentar. Anos depois, ao recordar os acontecimentos do dia, Parks disse: “Quando aquele motorista branco deu um passo em nossa direção, quando ele acenou com a mão e nos ordenou para levantar e sair de nossos assentos, senti uma forte determinação ao mesmo tempo em que me senti desprotegida como alguém que deseja ter o corpo coberto com uma colcha de retalhos em uma noite de inverno”.

Parks disse: “O motorista queria que nos levantássemos, nós quatro. Nós não nos movemos no começo, mas ele diz: ‘Deixe-me ter esses lugares’. E as outras três pessoas levantaram, mas eu não”. O homem negro sentado ao lado dela desistiu de seu lugar. Parks se moveu, mas em direção ao assento da janela; ela não se moveu para a seção colorida recém reposicionada. Blake então disse: “Por que você não se levanta?”, Parks respondeu: “Eu não acho que eu deveria ficar de pé”. Blake chamou a polícia para prender Parks.

Durante uma entrevista de rádio em 1956, com Sydney Rogers, em West Oakland, Parks foi questionada sobre o porquê de ela ter decidido não desocupar seu assento de ônibus. Parks disse: “Eu teria que saber de uma vez por todas quais direitos eu tinha como ser humano e como cidadã de Montgomery, Alabama”. Ela também detalhou sua motivação em sua autobiografia, “My Story”, dizendo que as pessoas costumavam dizer que ela não cedera o lugar porque estava cansada, ao que ela diz: “Eu não estava cansada fisicamente. Eu estava cansada de ceder”.

Parks foi acusada de violar a lei de segregação do capítulo 6, seção 11 do código da cidade de Montgomery, mesmo que, tecnicamente, não tivesse ocupado um assento só de branco – ela estava em uma seção colorida. E.D. Nixon e Clifford Durr retiraram Parks da cadeia na noite de 1º de dezembro. Naquela noite, Nixon conversou com Jo Ann Robinson, professora do Alabama State College, sobre o caso de Parks. Robinson, um membro do Conselho Político da Mulher (WPC), ficou a noite toda mimeografando mais de 35.000 folhetos anunciando um boicote aos ônibus. O Conselho Político das Mulheres foi o primeiro grupo a endossar oficialmente o boicote.

No domingo, 4 de dezembro de 1955, os planos para o boicote aos ônibus de Montgomery foram anunciados em igrejas negras na área e um artigo de primeira página no The Montgomery Advertiser ajudou a espalhar a notícia. Em uma reunião da igreja naquela noite, os participantes concordaram unanimemente em continuar com o boicote até que fossem tratados com o nível de cortesia que esperavam, até que motoristas negros fossem contratados e até que os assentos no meio do ônibus fossem ocupados por ordem de chegada.

Quatro dias depois, Parks foi julgada por conduta desordeira e violação de uma lei local. O julgamento durou 30 minutos. Parks foi considerada culpada e multada em US$ 10, mais US$ 4 em custas judiciais. Parks recorreu e contestou formalmente a legalidade da segregação racial. Em uma entrevista de 1992 ela disse: “Eu não planejei ser presa, mas quando tive que enfrentar essa situação, não hesitei em fazê-lo porque senti que tínhamos suportado isso por muito tempo. Quanto mais cedíamos, mais aceitávamos esse tipo de tratamento. E mais opressivo ele se tornava”.

Na segunda-feira, 5 de dezembro de 1955, após o sucesso do boicote de um dia, um grupo de 16 a 18 pessoas se reuniu para discutir novas estratégias para o movimento. O grupo concordou que uma nova organização era necessária para liderar o esforço coletivo, se fosse para continuar. Rev. Ralph David Abernathy sugeriu o nome “Montgomery Improvement Association” (MIA). O nome foi adotado e o MIA foi formado. Seus membros elegeram como seu presidente um recém-chegado a Montgomery: um jovem e quase desconhecido ministro da Igreja Batista da Avenida Dexter, o Dr. Martin Luther King Jr.

Naquela noite de segunda-feira, 50 líderes da comunidade afro-americana se reuniram para discutir as ações apropriadas a serem tomadas em resposta à prisão de Parks. E.D. Nixon disse: “Meu Deus, veja o que a segregação colocou em minhas mãos!” – Parks era o motivo ideal para um caso de teste contra as leis de segregação de cidades e estados. King declarou que “a Sra. Parks era considerada uma das melhores cidadãs de Montgomery” – não apenas uma das melhores cidadãs negras, mas uma das melhores cidadãs de Montgomery. Parks era casada, estava empregada com segurança, possuía um comportamento calmo e digno e era politicamente experiente.

No dia do julgamento de Parks – segunda-feira, 5 de dezembro de 1955 – o WPC distribuiu os 35.000 folhetos. O panfleto dizia: “Estamos pedindo a todos os negros que não utilizem ônibus na segunda-feira em protesto à prisão e julgamento (…) Você pode se dar ao luxo de ficar fora da escola por um dia. Se você trabalha, pegue um táxi ou ande. Mas, por favor, crianças e adultos, não andem de ônibus na segunda-feira. Por favor, fiquem de fora dos ônibus na segunda-feira”.

Choveu naquele dia, mas a comunidade negra perseverou em seu boicote. Alguns andavam a pé ou pegavam carona, enquanto outros andavam em táxis dirigidos por negros que cobravam a mesma tarifa que o ônibus, 10 centavos. A maior parte do restante dos 40 mil passageiros negros caminhava, alguns até 20 milhas. No final, o boicote durou 382 dias. Dezenas de ônibus públicos ficaram inativos por meses, prejudicando gravemente as finanças da empresa de transporte de ônibus até que a lei exigindo a segregação nos ônibus públicos fosse suspensa.

Segregacionistas retaliaram com o terrorismo. Igrejas negras foram queimadas ou dinamitadas. A casa de Martin Luther King foi bombardeada nas primeiras horas da manhã de 30 de janeiro de 1956, a casa de Nixon também foi atacada. No entanto, o boicote dos ônibus da comunidade negra marcou um dos maiores e mais bem sucedidos movimentos de massa contra a segregação racial. Isso provocou muitos outros protestos e catapultou King para a linha de frente do Movimento dos Direitos Civis.

Por meio de seu papel em provocar o boicote, Rosa Parks desempenhou uma tarefa importante na internacionalização da conscientização sobre a situação dos afro-americanos e a luta pelos direitos civis. King escreveu em seu livro “Stride Toward Freedom”, de 1958, que a prisão de Parks foi o fator precipitante, e não a causa, do protesto: “A causa estava no registro de injustiças similares. Na verdade, ninguém pode entender a ação da Sra. Parks, a menos que se perceba que, eventualmente, a taça de resistência se esgota, e a personalidade humana grita: ‘Eu não aguento mais’”.

O boicote dos ônibus de Montgomery também foi a inspiração para o boicote aos ônibus no município de Alexandria, Cabo Oriental da África do Sul, que foi um dos principais eventos na radicalização da maioria negra daquele país sob a liderança do Congresso Nacional Africano.

Após o boicote, Rosa Parks se tornou ícone e principal porta-voz do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos. Imediatamente após o boicote, ela perdeu o emprego em uma loja de departamentos. Por muitos anos trabalhou como costureira, até que em 1965, foi contratada pelo político afro-americano John Conyers, tendo trabalhado como sua secretária até sua aposentadoria em 1988.

“Estou cansada de ceder”

“Estou cansada de ceder”. Essa frase emblemática de Parks define o sentimento das mulheres negras em muitas situações. Esperávamos que após Parks e tantos avanços conquistados, não precisássemos mais ter que lutar por nosso lugar. Mas ainda precisamos. E isso cansa.

Militar cansa. Não há um só dia em que a mulher preta não precise lembrar que a sua existência, por si só, é militância. Nossa cor chega antes de nós em qualquer situação. Antes do diploma, antes da posição social, antes da carteira de trabalho, antes da nossa humanidade. Nossa cor chega antes sempre, seja através do estereótipo da “mulher sensual”, seja pela invisibilidade. Pensar isso também cansa, porque isso também é ceder. Ceder ao dilema de ter que ser resistência sempre, ceder ao sistema que não nos enxerga, não nos ouve e nos desumaniza. Um sistema que oprime e, ao menor sinal nosso de luta, grita “vitimismo!”. O racismo velado e estrutural cansa. Lutar contra um inimigo invisível cansa.

No entanto, parece que o “Eu não aguento mais” conjecturado por King não é um “Desisto”, como o sistema espera que digamos. Antes, ele é um “Vou dar as cartas a partir de agora”. Esse desistir é desistir de ceder e desistir de ceder é lutar. Não há como ser diferente. À mulher preta não foi dado o direito de preservar sua história, suas raízes, sua cultura. Tudo o que lhe pertence é estigmatizado, minimizado, relegado ao esquecimento, endemonizado. E isso cansa. Por isso a necessidade de cansar de ceder é tão urgente.

Esse grito de cansaço precisa ser expresso na forma de combate às injustiças. Antes disso até: de denúncia. Se a cor da nossa pele grita antes mesmo do grito de nossas vozes, então é necessário usar isso como arma de denúncia e de combate. Ser “Rosa Parks” hoje é mais do que necessidade de militância. É uma questão de sobrevivência. Os senhores e senhoras brancas da época de Parks estavam muito à vontade para exercer o domínio e o opressão sobre o povo preto. E, não nos enganemos, eles ainda estão entre nós, muito à vontade. E são muitos. E têm ganhado cada vez mais espaço à medida em que cedemos lugar a eles. Olhar nos olhos deles e dizer-lhes “Não!” é conquistar um espaço que não foi feito para nós.

O mundo não foi feito para mulheres como Rosa Parks. Nem para as que vieram depois, ou mesmo antes, dela. Conquistá-lo exige renúncia e resistência; coragem e resiliência. O que não vem sem lágrimas, dor e muito sofrimento. Mas também pode vir carregado pela força de irmãos e irmãs que, atentos aos nossos direitos negados e usurpados, também ecoam um grito de “Estamos cansados”. E isso acontece quando a sociedade entende que essa é uma questão que atinge a todos e todas. E essa sociedade se move quando a mulher preta se move. Rosa Parks mostrou que sim. Mostremos também.

Resistamos!

E, no cansaço, não cedamos.

Apenas cansemos de ceder.

Não cedamos mais!

Nem um banco, nem um centímetro.

Resistência é o nome.


REFERÊNCIAS:

Rosa Parks biography: https://www.biography.com/people/rosa-parks-9433715

Rosa Parks – Civil Rights Activist | Mini Bio | BIO: https://www.youtube.com/watch?v=v8A9gvb5Fh0

Rosa Louise Parks biography: http://www.rosaparks.org/biography/


Bianca Ramires é professora de Língua Inglesa no ensino médio da rede pública estadual do Rio Grande do Sul e doutoranda em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG, membro do Coletivo Abrigo e da Comunidade Cristã Abrigo; Secretária de Comunicação da Aliança Bíblica Universitária/Região Sul; membro da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência/Núcleo Porto Alegre, Bianca se auto define como “mulher, negra, moradora da periferia da capital rio-grandense e, também, mãe, tia, irmã, filha, amiga leal e do tipo casca-grossa-faca-na-bota. Inquieta, crítica, exigente, muito auto exigente, cri-cri, questionadora e chata. Muito chata.”.


O conteúdo e as opiniões expressas neste texto são de inteira responsabilidade de sua autora e não representa a posição de todas as organizadoras e colaboradoras do Projeto Redomas. O objetivo é criar um espaço de construção e diálogo.


Revisão: Samara Machado



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