Existiria igreja sem as mulheres? | Mulheres da Igreja Primitiva

Gosto de repetir, em quase todas as escolas dominicais ao qual leciono, que lemos a Bíblia como se não existissem mulheres. Começamos em Adão, passamos por Abraão, Moisés, Davi, os profetas, os evangelistas, as cartas escritas por homens e encerramos a Bíblia com o apocalipse de João. Quando entramos em contatos com as mulheres, na maior parte das vezes está atrelada a um homem (Eva-Adão, Abraão-Sarah, Maria-José etc.) e/ou é personagem de uma história bonita que contamos às crianças (como Rute ou Ester). Poucas vezes levamos a sério o lugar da mulher como uma figura estrutural no cristianismo ao qual, sem elas, sequer este existiria.

Isso fica ainda mais evidente quando atravessamos o abismo do Antigo Testamento para o Novo Testamento e, dentro do último, quando saímos das histórias de Jesus e vamos para a igreja primitiva. Enumerar cinco mulheres do Antigo Testamento é um trabalho bastante fácil. Agora tente enumerar cinco mulheres da história de Jesus. Tente – ainda – dar o nome para essas mulheres. Difícil, não?

Pense, por fim, em cinco mulheres na história da igreja primitiva.

Isso reflete na forma que encaramos o lugar da mulher no espaço eclesiástico. Maioria, porém invisíveis. Lembradas na hora do controle do comportamento e esquecidas quanto ao seu trabalho nas igrejas. Para repensar essa forma de leitura, irei enfatizar o nome de mulheres (muito mais de cinco!) que marcaram a história da Igreja primitiva.

Maria Madalena e Maria:

Quando intercruzamos os evangelhos, raramente encontramos um texto que se encontre em todos os quatro, tanto os sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) quanto em João. Porém, o relato da aparição do anjo às mulheres é uma dessas raridades. Isso é, temos nos quatro evangelhos relatos de que as mulheres foram as primeiras a saberem da ressurreição e as primeiras a espalharem tal boa nova para os homens, como missionárias.

A história, interessantíssima, conta que os guardas do sepulcro caíram ao chão como mortos e os discípulos se escondiam trancados nas casas sem sequer sair de tanto medo. As mulheres todavia, se expuseram – pois elas podiam ser mortas também, já que andaram ao lado do homem crucificado – e, ao verem o anjo, corajosamente contaram a notícia fundante que seria a base para a criação a igreja: Cristo vive! Sem esse relato, nem haveria igreja.

Dorcas

Dorcas, que tem sua história relatada em Atos 9.36, é um exemplo de uma mulher que construía a igreja primitiva. O fato de ser notável pelas boas obras e esmolas demonstra que existia mulheres já trabalhando na ação social da igreja. Além disso, essa mulher teve a experiência de ser ressuscitada pelos apóstolos, provavelmente pelo seu papel importante.

Maria

João Marcos, que acompanhou Paulo durante muitos anos, é tido também como Marcos evangelista. Este, que produziu o evangelho mais antigo e inspirou outros ao mesmo, teria aprendido acerca de Cristo com sua mãe, Maria. Logo, provavelmente não teríamos esse evangelho se não fosse pelo exemplo de vida desta mulher. Além de ser uma mulher virtuosa, recebia a igreja dentro de sua casa (Atos 12.12)

Lídia

A história bíblica (Atos 16) relata que esta conhecida vendedora de púrpura abriu as portas de sua casa para, primeiramente, receber os apóstolos. Tal dedicação a hospitalidade foi tanta que, posteriormente, recebeu Paulo e Silas recém libertos da prisão e assim se constituiu a igreja de Filipos em sua casa.

Damaris

O relato de Atos 17 descreve o marcante discurso de Paulo em Atenas, a qual este faz analogia de Javé com o Deus desconhecido que os atenienses adoravam.  Odiado por muitos gregos, outros se converteram ouvindo esta pregação, como Damaris, nomeada em Atos 17.34

Febe

O livro de Romanos é considerado o evangelho de Paulo, pois neste ele sintetiza sua compreensão de justificação, de fé e temas centrais para a elaboração do cristianismo nascente. Sem dúvida, a carta mais lida e mais significativa da história do apóstolo.

Nesse mesmo livro, no capítulo 16, Paulo apresenta a Febe como uma mulher que não só está recebendo fiéis de outras regiões, como está ajudando – provavelmente financeiramente – as igrejas, protegendo os cristãos foragidos e, ainda, servindo a igreja de Cencreia. Assim, percebemos o quanto o papel da mulher na igreja primitiva poderia ser plural, tanto para o acolhimento de foragidos, quanto também na organização da igreja. Além do relato bíblico, conta-se na história que é provável que tenha sido Febe a pessoa que levou esta carta aos Romanos.

Júnias

As Bíblias diferem quanto a tradução, porém, no versículo 7 há uma saudação de Paulo bastante polêmica a Andrônico e Júnias, seus companheiros de prisão, a qual os considera notáveis entre/como/sendo apóstolos.

Dois grandes debates surgem a partir desse texto: primeiro se eles eram notáveis frente aos apóstolos, sendo um deles ou não. Porém, o grego utilizado no texto usa os termos “επισημοι εν τοις αποστολοις”, que seria “notáveis dos apóstolos”, bem literalmente. Isso poderia ser lido não só como se eles fossem apóstolos, mas como destacados dentro deles.

A segunda polêmica diz respeito ao fato de Júnias ser um nome feminino ou não, porque, teoricamente, no grego Junia seria feminino e Júnias, masculino. Contudo, o material grego não possui o acento – diferentemente do português que usa Júnias – e está tratando da mesma forma de outros casais, contribuindo ao fato de ser uma mulher.

Priscila, Maria, Trifena, Trifosa, Pérside, Júlia, a irmã de Nereu

Muitas são as mulheres relatas em Romanos 16. Priscila, por exemplo, foi lembrada como fazedora de tendas junto com seu marido Áquila e acompanhou diretamente as viagens missionárias de Paulo. Maria realizou serviços para os apóstolos, provavelmente financeiros. As irmãs Trifena e Trifosa auxiliaram na formação da igreja de Roma. Perside foi amiga de Paulo. Júlia e a irmã de Nereu participaram da igreja de Roma também.

Evódia, Sintique, Ninfa, Áfia, Cláudia

Nos outros escritos do novo testamento também temos relatos de mulheres importantes. Evódia e Sintique foram citadas na carta de filipenses por um desentendimento mútuo. Porém pelo fato de Paulo ter citado pelos nomes na carta faz com que exista uma grande chance de elas serem figuras de destaque essa igreja.  Ninfa, citada na carta aos colossenses, provavelmente recebia a igreja na sua casa, assim como Áfia, citada no livro de Filemom. Cláudia, citada na segunda carta a Timóteo, provavelmente era pregadora, pois foi presa assim como Paulo.

Lóide e Eunice

Assim como Santa Mônica ensinou a Santo Agostinho o caminho do Senhor e como Susana Wesley orava por John Wesley, Timóteo teve em sua família duas mulheres exemplares. Tão exemplares foram que não somente estão relatadas na segunda carta a Timóteo; o livro de Atos, no capítulo 16, já cita essas mulheres marcantes que tinham mais tempo de convertidas e até mesmo podem ter conhecido Jesus pessoalmente.

Tecla

Um dos apócrifos mais conhecidos pela Europa se chama “Atos de Paulo e Tecla”, que conta das viagens missionárias que esta mulher fez ao lado do apóstolo. No período da patrística, esse livro era tão conhecido e bem recebido pela igreja que a devoção a Santa Tecla se espalhou, como uma mártir, igual aos apóstolos. Conta o apócrifo que Tecla era vizinha de Onesíforo, personagem relatado em II Tm 1.16 e 4.19. Este, ao receber Paulo, estaria com Tecla em sua casa, que ouviu o evangelho e decidiu viajar ao lado por diversos lugares como Antioquia. Apesar de não estar dentro de nossas Bíblias, há bastante confiabilidade histórica para esse apócrifo.

Nós, mulheres da igreja

Assim como estas notórias mulheres, hoje estas também lideram, sustentam, se doam e abrem as portas para que igrejas possam existir. O último censo do IBGE (2010) reforça o dado que os anteriores já haviam computado de que as mulheres são maioria nas igrejas evangélicas e na católica. Estas, além de maioria, são mais envolvidas ministerialmente que os homens, apesar de raramente estarem em cargos de liderança.

Quando a igreja secundariza a importância da mulher na instituição, não só nega o que a Bíblia diz em relação a estas como deixa de experimentar espiritualmente toda a potência que Deus deu às mulheres. Se, na época, o papel dessas grandes mulheres fosse boicotado, nem existiria igreja hoje. Não haveria o evangelho de Marcos, não haveria igreja em Filipos, a carta de Paulo não teria chegado aos Romanos, provavelmente muitas igrejas morreriam sem auxílio financeiro e tantas outras possibilidades aconteceriam.

As mulheres não devem ser tratadas como menos do que essenciais para o Reino de Deus na Terra.

Sem mulheres não há Corpo de Cristo.

Nós somos pilares da igreja.

 


Rebecca Maciel é carioca, psicologa, teóloga e escreve no blog Teologicamente Instável.


O conteúdo e as opiniões expressas neste texto são de inteira responsabilidade de sua autora e não representa a posição institucional da ABUB, outra instituição ou de todas as organizadoras e colaboradoras do Projeto Redomas. O objetivo é criar um espaço de construção e diálogo.

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