Maternidade: um alargamento

Escrever sobre maternidade é, ao meu ver, uma grande responsabilidade. É uma experiência bastante subjetiva, com um potencial imenso de transformação, inclusive de nossas perspectivas. Desde que decidi ter um filho, meu entendimento foi bastante sacudido, em relação a quem sou, ao que é ser mulher e à missão que Deus tem para mim. Ainda está mudando, e é claro que não é só a maternidade que pode fazer isso, mas vale a pena pensar em como ser mãe afeta o nosso ser mulher.

Deixe-me também, antes de mais nada, dizer que é a experiência de mais valor e mais deliciosa que já tive. Para mim, não só o aprendizado pessoal que passei, mas também o relacionamento com meus filhos, a convivência diária, a missão de ensiná-los tudo na vida e apontar caminhos são coisas recompensadoras. Mas não é um caminho só de delícias. E mexe com todo nosso ser.

Bem, até hoje, a ciência não inventou uma forma de gerar um novo ser humano fora do corpo de uma mulher. Mesmo se contar a fertilização in vitro, o corpo da mulher ainda é essencial para que a vida possa ser reproduzida. No mundo atual em que as pessoas estão variando cada vez mais seus papéis e funções, essa ainda é uma tarefa exclusiva das mulheres. Gestar. Se for possível, procure deixar de lado todas as preconcepções que temos em relação a isso, e vamos pensar em como a mulher grávida passa por um momento vulnerável. Sim, ela encontra uma nova força que nem sabia que tinha, mas muitas vezes, fisicamente, se torna mais sonolenta, mais lenta e menos energética. Psicologicamente, ela gostaria de sentir-se segura. Ter um filho é uma doação que ela faz. Primeiro, ela doa seu ventre, que se alarga. Depois, sua vagina é que precisa se alargar. Em seguida, seus peitos. Finalmente, seu coração. É um processo de alargamento geral. No momento de gestar, essa se torna a tarefa primordial da mulher. Ela não pode escapar, estará envolvida nessa tarefa 24 horas por dia. Então, é comum que ela procure um ambiente seguro para proteger a ela e ao bebê.

Nos nossos dias, se, como mencionei, ainda não houve uma invenção para transferir a tarefa da gestação, há uma invenção que permite o gerenciamento da tarefa: a pílula. Agora podemos escolher SE, QUANDO e QUANTAS VEZES queremos engravidar. Que revolução! Estatísticas mostram que, em casos de gravidez planejada, as mulheres continuam buscando o tal “ambiente seguro”, um emprego fixo (que pode ser através de umconcurso), casa própria, enfim, cada uma tem sua ideia do que esse momento exige. Mas eu vou falar que na minha experiência, o ambiente seguro não está nessas coisas, como comumente se pensa, e sim numa rede de relacionamentos forte e coesa. Isso é algo que é cada vez mais raro.

Cada uma de nós, envolvida com nossos trabalhos e ocupações, deixa para última posição o cultivo das amizades. As famílias são cada vez menores, e é comum que os estudos e o emprego nos levem para longe delas. Assim, com nossa casinha e emprego resolvidos, decidimos ter nosso primeiro filho, para então descobrir a famosa “solidão materna”, de que tanto se fala pelos blogs e grupos na internet. Sim, é claro, temos o nosso marido. Ele, que também fez o filho, vai dividir todas as tarefas com você. Quando você realmente pode contar com um maridão desses (eles existem, meninas!) há um alívio, mas não é o bastante. Nem perto. E na maioria dos casos que conheço, a expectativa dessa “ajuda” por parte do marido se esvai com o dia a dia, e o marido não contribui da forma como se pensou que ia.

Na verdade, aqui vou fazer um pequeno parêntese, pois parece que a expectativa é de que os homens “ajudem” as mulheres a criar os filhos. Pouquíssimo se cultiva a ideia de que eles são, assim como as mulheres, cuidadores primários de seus filhos, e como tais, tem responsabilidade igual na educação dos filhos. Acontece que devido à estrutura da sociedade e de nossas vidas, e também bastante relacionado com o papel do corpo feminino na gestação, amamentação e licença muito maior do que a quase inexistente licença paternidade, o casal muitas vezes opta por um intervalo da carreira da mulher, e o homem se torna o provedor financeiro da casa. Isso pode gerar um escapismo: já que o homem é o responsável pelo sustento financeiro, a mulher se torna responsável pelas tarefas relacionadas aos filhos. Essa premissa precisa urgentemente ser repensada. Se por um lado é verdade que acordos sobre divisão de tarefas entre um casal sejam necessários, por outro lado, tempo com os filhos, orientação, diálogo e educação, sempre serão tarefas dos dois. Ele deve estar ativo nas muitas decisões que envolvem as práticas com as crianças. São diversos temas  polêmicos que envolvem o cuidado das crianças, mas é comum ver que apenas as mães estão pensando e discutindo sobre eles. Onde estão os pais? Passivos. É grande o prejuízo quando isso acontece, para todos os lados: crianças, mulheres e homens.  

Ainda que o pai seja um pai ativo nas decisões e cuidados práticos, em minha experiência pessoal, vi que há um sentimento de esgotamento da mãe (e do pai ativo também), pois precisa doar quase tudo o que tem: tempo, sono, peito, energia, seu silêncio, dinheiro etc. E por isso, mais e mais mulheres decidem não ter filhos. Quem está disposto a doar tudo isso? Por que isso valeria a pena? É bobo, eu sei, mas quando pensava em engravidar, eu fiz uma listinha de prós e contras antes, e no lado do “contras” tinha muitas coisas, mas no lado do “pró”, tinha uma coisa só, que acabou pesando mais do que todos os contras: eu quero. Mas está cada vez mais raro que as pessoas “queiram”.

Meus filhos não têm primos. Minhas amigas de adolescência e juventude, ainda não tiveram nenhum filho. Fui mãe pela primeira vez aos 27 anos, mas as minhas pouquíssimas “companheiras de jornada” na maternidade foram mais velhas do que eu. Graças a Deus por elas, precisei muito de amigas que vivenciassem o processo comigo. Certamente você precisará também, e desejo que tenha mais do que eu tive. Minhas amigas “de idade” ainda não tiveram filhos. Algumas não terão. Considerando que gerar um filho é hoje em dia uma escolha, é uma escolha que não parece muito atrativa para nossa vida moderna. Se no passado essa grande doação era compensada pela realização que era cumprir o seu chamado de vida (veja exemplos bíblicos como Raquel, Lia, Ana, a mulher sunamita, Isabel e tantas outras), hoje em dia esse chamado parece ser mais uma coisa que temos que doar para ser mães! Se nos sentimos vocacionadas para ter uma carreira profissional, a maternidade será um atraso. E nos vemos emocionalmente divididas entre nossos filhos e nosso trabalho. E sentimos culpas. Muitas culpas. E queremos licença maternidade, pausa para amamentação etc e tal, mas não queremos que as empresas sejam parciais por conta disso nas contratações. (E aqui não estou tomando partido, mas constatando o conflito de interesses desse enorme problema).

Quando cheguei nesses momentos, vivi um grande conflito. Onde eu encontraria um equilíbrio para minha feminilidade materna? Como poderia conciliar tantas tarefas? Como Deus via tudo isso? Eu li todos os livros que encontrei, mas a maioria fala dos bebês e como lidar com eles (para no fim você aprender que tem que ouvir um instinto maternal interno e descartar todas essas “fórmulas” prontas), mas eu procurava mais do que isso. Eu procurava a resposta para como lidar comigo mesma. Como ser a mulher que eu gostaria de ser, e quem era ela afinal? É difícil lidar com a pressão de ser uma boa mãe, é também difícil lidar com a pressão de ser uma boa mulher no mundo. O que é isso, afinal de contas? É fácil contaminar nossa visão com coisas que não tem nada a ver com a visão de Deus. Vemos de mil maneiras estereótipos muito enganosos do que uma mulher deve ser.

Mas então, como vamos cumprir a função da maternidade, nos alegrando nisso, mas nos sentindo vulneráveis e ainda poder ser uma voz contra os abusos contra as mulheres que aconteceram ao longo da história devido à essa fragilidade. Eu precisei, e muito, da força e proteção do meu marido. Do suporte dele. Mas admitir isso parece ir contra tudo o que é politicamente correto. Eu precisei muito de rede de relacionamentos, mas tive muito pouco. Por que não cultivei mais relacionamentos ao longo da minha juventude? Com outras mulheres, com pessoas mais velhas e, na verdade, com todos? Por que busquei tanta independência sempre? Que objetivos estamos buscando na vida?

De tudo o que aprendi, isso quero deixar: Deus é um Deus de relacionamento. Ele quer se relacionar com a gente, e quer que nos relacionemos uns com os outros. De verdade, e com qualidade. Tudo o que estiver tirando seu foco principal disso, deveria ser repensado. É com as pessoas que Deus se importa, e se temos o coração sintonizado com o dle, deveríamos priorizar isso também.  Comece a alargar seus laços fraternos e sociais, bem antes do alargamento que a maternidade exige. Que Deus nos ajude, e nós, uns aos outros.

“Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz.” Efésios 4:1-3


Mabel d’Haese é formada em história, mosaicista, casada com Adriano, mãe do Levi e da Liz e assessora auxiliar da ABU na Região Sul.


O conteúdo e as opiniões expressas neste texto são de inteira responsabilidade de sua autora e não representa a posição de todas as organizadoras e colaboradoras do Projeto Redomas. O objetivo é criar um espaço de construção e diálogo.

Atualizado em 27/12/2017

3 thoughts on “Maternidade: um alargamento

  • 12 de abril de 2016 em 18:04
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    Amei o artigo, e tenho certeza que minhas amigas de infância, irão amar o texto como eu. Quando nossas crianças eram pequenas, o contato entre nós era muito raro, mas graças a tecnologia, ainda morando em cidades distantes, hoje somos unidas e nos falamos todos os dias. Seu texto confirma para nós o valor do relacionamento, que nos abençoa e encoraja neste momento pós maternidade, pós menopausa, com filhos crescidos e netos. Como você, quando começamos nossa vida e nasceram nossos filhos, também experimentamos uma certa solidão, um afastamento das pessoas amigas pela limitação gerada pela responsabilidade no lar. Fez falta. Mas nosso momento agora, semeado lá atrás, na juventude, é cheio de cumplicidade e compreensão, muitas gargalhadas e recordações, e trazendo cura e coragem diante das histórias pessoais, profissionais, familiares que cada uma vivenciou individualmente – com casamentos, alguns mantidos no vínculo do amor, outros refeitos ou desfeitos, perdas, viuvez, luto, muita dor e separações de todos os tipos. Viva a rede de amigos, viva o alargamento materno, e viva o relacionamento.

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  • 24 de abril de 2016 em 19:33
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    Que texto fenomenal! Tenho apenas 19 anos e estou solteira, mas o desejo da maternidade já é bem forte dentro de mim. Lindo tudo o que você escreveu e a reflexão que demonstra nada mais que a própria realidade em que vivemos. Obrigada!

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