Privilegiado, eu?

É notório que cada vez mais as mulheres estão se posicionando em relação às desigualdades de gênero. Entretanto, muitos homens ainda permanecem apáticos a tais reivindicações, alguns argumentam que já conquistamos nossos direitos. Por isso, não haveria motivo para tanto “barulho” e é para esses leitores que escrevo.

Sei que não é fácil reconhecer que nos encontramos em uma situação privilegiada em relação ao outro, que temos a tendência de enxergar os fatos segundo a nossa própria ótica, e que assim passamos a pensar que todos sofrem da mesma forma e com a mesmas adversidades da vida. Então, compreendemos  que tudo que temos ou que somos é  fruto exclusivamente de nosso mérito e trabalho. Não é mesmo?

Bem, as coisas não são exatamente assim. O nosso mundo é marcado por desigualdades e, infelizmente, existem aqueles que encontram mais buracos no caminho do que outros, dificultando ainda mais sua trajetória. Os que encontram menos buracos nos caminhos, são privilegiados. Entre estes está você, homem. E o fato de você ser homem, impediu que fosse menosprezado e subjugado, em inúmeras situações cotidianas.

– É  mesmo?  Mas por que sou privilegiado se vivo problemas diferentes daqueles vivenciados pelas mulheres?

 

Sou mulher, logo mereço sofrer ?

Não há aqui intenção de desmerecer as dificuldades enfrentada pelos homens, mesmo que muitas delas sejam resultado do próprio machismo em nossa sociedade, mas não é essa a questão. Quero apenas apontar algumas questões para que possa ajudar você leitor a refletir sobre seus privilégios e entender que mesmo que todos passem por situações problemáticas na vida, algumas pessoas – as minorias (não de quantidade, mas de voz) – possuem um caminho morro acima, tortuoso, cheio de pedras, buracos e espinhos. Por isso, sugiro que reflita um pouco nas perguntas e dados a seguir:

Você vive sob ameaça constante de ser vitima de violência física?

A cada meia hora uma mulher é assassinada por um homem no Brasil, crime denominado de feminicídio (feminicídio no Brasil). Uma em cada cinco mulheres consideram já ter sofrido alguma vez “algum tipo de violência física por parte de algum homem, conhecido ou desconhecido. 43% das mulheres em situação de violência sofrem agressões diariamente; para 35%, a agressão é semanal (dados nacionais sobre violência contra a mulher). A maioria destas mulheres é pobre e negra. Existe sim uma cultura que busca inferiorizar a mulher, “mostrar o seu lugar”, através da violência.

 

Você alguma vez teve que trocar de roupa com medo de ser assediado? Freqüentemente ouve cantadas nas ruas? Já passaram a mão em você em ônibus, metro etc?

Algumas semanas atrás, em uma campanha, liderada pelo think tank Think Olga, que combate o assédio, mulheres relataram o primeiro assédio sofrido do qual se lembravam usando a tag #primeiroassédio, por esses dias a campanha também tem sido aderida por mulheres ao redor do mundo com a tag #firstharrased ou em espanhol #primerocoso. E, pasmem: foram feitos mais de 82.000 tweets com a tag só no Brasil, e boa parte dos relatos antecede até mesmo a puberdade (mais informações sobre a campanha do Think Olga).

99,6% das quase 8 mil mulheres que responderam a um questionário on-line elaborado pela ÉPOCA, afirmaram já terem sido vítimas de assédio sexual, 85% das mulheres afirmaram já ter sido tocadas ao andar sozinhas. Nas nádegas (88%), na cintura (56%), nos seios (20%) e entre as pernas (17%).

 

Você recebe um salário menor, pelo mesmo trabalho exercido por uma mulher?

As mulheres latino-americanas ganham menos, mesmo que possuam um maior nível de instrução. Por meio de comparação simples dos salários médios, foi constatado que os homens ganham 10% a mais que as mulheres. Já quando a comparação envolve homens e mulheres com a mesma idade e nível de instrução, essa diferença sobe para 17% – Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

 

Pessoas do seu sexo são minorias em cargos públicos?

Apesarmos de termos uma presidenta, as mulheres ocupam apenas 9,9% dos cargos na Câmara dos Deputados e 14,8% no Senado Federal. Nas prefeituras as mulheres ocupam apenas 12% dos cargos (representação política no país após 2014 e mais dados e discussões sobre gênero e política).

 

É responsável pelas tarefas do lar ? Cumpre dupla jornada? Em festas ou eventos, você e seus amigos se retiram para realizar a limpeza?

O IBGE faz duas perguntas: se a pessoa faz alguma tarefa doméstica e quantas horas gasta fazendo isso. Somente metade dos homens realiza essas tarefas – 51,4% em 2006, ante 44,4% em 1996 -, enquanto nove em cada grupo de dez mulheres têm essa atribuição. Para as mulheres, a saída para o mercado de trabalho não significa deixar de fazer tais atividades. Pelo contrário, a participação delas quando ocupadas é ainda maior, 92%.

 

E daí?

Provavelmente você disse “não” a estas perguntas. É importante dar um passo para trás, reconhecer os próprios privilégios e reconhecer a luta daqueles que são oprimidos e que reividicam condições melhores, condições mais humanas para se viver. O mais triste, no entanto, é perceber que esses privilégios também se naturalizam no meio Cristão. É triste perceber que existem igrejas onde preceitos machistas são passados de geração a geração e as mulheres são reduzidas ao silencio. É isso que Cristo que de nós?

 

O que fazer ?

Você obviamente nunca irá sentir todos os dramas vivenciados por nós mulheres, afinal, você não é uma mulher, mas isso não impede que se solidarize com nossa luta. Isso não se trata de um pedido para que você se torne feminista, já que essa palavra talvez lhe soe com um palavrão ou incompatível com sua teologia, esse é um pedido de socorro, para que você tenha empatia com nossas dores. Se estamos gritando é porque já não aguentamos os machucados feitos por tanto percorrer esse caminho esburacado e tortuoso que nos pertence.

Precisamos que vocês homens busquem compreender nossas reivindicações e nos ajudem na busca de um mundo mais igualitário, onde o gênero não seja motivo de privilégio de alguns e sofrimento para outros. Faça como Jesus que se entregou incondicionalmente para que as nossas dores fossem curadas, faça como Paulo que se esvaziou de seus privilégios para se colocar no lugar das outras pessoas. Por fim, deixo uma das mais belas passagens  sobre empatia que conheço e espero que esse substantivo venha a fazer parte de seu cotidiano.

“Se por estarmos em Cristo, nós temos alguma motivação, alguma exortação de amor, alguma comunhão no Espírito, alguma profunda afeição e compaixão, completem a minha alegria, tendo o mesmo modo de pensar, o mesmo amor, um só espírito e uma só atitude. Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos. Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros. Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens.” Filipenses 2:1-7


Sara Rebeca gosta de funk, faz parte da Aliança Bíblica Secundarista e está quase concluindo o ensino médio. Ela também faz parte do projeto Reciclando Vidas e é mentora de uma área do projeto que tem como objetivo despertar o interesse pela literatura em crianças que moram em uma área de aterro sanitário na cidade de Montes Claros em Minas Gerais.


O conteúdo e as opiniões expressas neste texto são de inteira responsabilidade de sua autora e não representa a posição de todas as organizadoras e colaboradoras do Projeto Redomas. O objetivo é criar um espaço de construção e diálogo.

Atualizado em 22/12/2017

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