Ser negra é aprender a ser!

As canções vão de “Marrom bombom” a “Carne mais barato do mercado”, tais hits não nos abandonam tão facilmente, como uma boa música chiclete. Aposto que você só de tentar lembrar os refrãos está cantarolando. Não falo só de música, falo aqui de uma luta para além das pessoas negras (porque a gente, enquanto negra, sabe das nossas batalhas), que precisa permear a reflexão e criticidade dessas letras e também persistir no rompimento dessa imagem desvalorizada do povo preto. O negro e a negra no Brasil exercitam diariamente o olhar para si e enxergar muito além da figura pejorativa e hostilizada que se tem sobre si nesse país, marcado pelo racismo e preconceito.

É sobre espelho e ter a coragem de se encarar, mulher negra: autoestima, empoderamento estético, acadêmico, profissional, afetivo. Essas são as minhas lutas cotidianas, lutas que nem sempre doeram tanto ao se enfrentar.  Hoje dói mais sim, porque a gente cresce, amadurece e precisa lidar com as questões difíceis do que é ser mulher em uma sociedade machista e com espaços restritos para diálogos, por exemplo. Além de mulher, eu negra preciso aceitar, amar, admirar a cor maravilhosa que tenho e entender que não existe um véu me protegendo de piadas de mau gosto sejam elas sobre o meu cabelo crespo, o meu nariz ou a altura da minha risada, afinal, não só estão cochichando por aí é “coisa de preto”, não é mesmo?

O fortalecimento da autoestima da mulher negra é pauta hoje nos meus ciclos de amizade e tem feito diferença na minha caminhada. Pode parecer bobo, mas os elogios são injeções de ânimo. Recentemente uma amiga disse que meu cabelo é lindo e ainda me emociono. Ninguém nunca havia dito isso para mim com apreciação, guardei com carinho no coração. Sinto-me presenteada, porém, quero proporcionar a outras amigas, mulheres negras, a consciência de que somos lindas independente do padrão que é imposto por essa sociedade. A consciência negra é um ciclo que precisa criar raízes, nos tirar sorrisos e refletir, no espelho e nas nossas relações.

A questão do empoderamento estético talvez seja a discussão mais recorrente na mídia e nas redes sociais, pelos recentes lançamentos da indústria de cosméticos, mas outros aspectos precisam ser confrontados igualmente por essa mulher. Destaco aqui as reflexões sobre a vida afetiva dessas mulheres, a questão da “solidão da mulher negra” e o acesso aos espaços de formação: universidades, exercendo liderança no mercado de trabalho, em espaços eclesiásticos, donas dos seus próprios negócios.

Tenho o privilégio em ser uma das primeiras mulheres da minha família a ir para a universidade, mas também sinto o peso da responsabilidade, poder estar num espaço e conquistar espaços que nunca as mulheres negras da minha família ocuparam. Contudo, volto na questão da dor que mencionei no início do texto, estar nessa posição é sentir e vivenciar na pele um espaço sem representatividade e que o tempo todo precisa lutar pelo seu lugar de fala. Na minha universidade, na minha graduação em Engenharia, além de menos mulheres do que muitos outros cursos, contabilizo em uma única mão a quantidade de negras. Em uma das disciplinas que curso, são  três lindas mulheres em uma sala de 60 alunos.

É incômodo estar nesse cenário de poucas iguais a mim? É! No entanto, quero poder, com as oportunidades que tenho tido, dar voz e encorajar outras mulheres negras. É tempo de darmos as mãos e rompermos os limites que nos colocaram. Cito Viola Davis, primeira atriz negra a ganhar o prêmio Emmy como melhor atriz: “A única coisa que diferencia as mulheres negras de qualquer outra pessoa é a oportunidade“. É tempo de existir!

 


Jessica Nayara é professora de sapateado, estudante de engenharia, cristã, paulista mas apaixonada por Minas Gerais.

Para ler outro texto da Jessica, um EBI (Estudo Bíblico Indutivo) sobre Rute, clique aqui.

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