Sobre brigadeiros gourmet, ensaios fotográficos e concursos públicos

Não é de hoje que a preocupação característica do fim do mês me assola e assombra feito um fantasma. Explico. Sou musicista, artista por formação e por ofício. Passei a vida estudando a respeito, e há 4 anos venho encarando o mundo real. E por encarar o mundo real quero dizer pagar meu aluguel, fazer minha própria comida, arcar com custos de viagem; manter minhas plantas e meus dois cachorros vivos; manter minha condição psicológica relativamente estável, e arcar também com os investimentos que isto precisa ter para acontecer. Continuar frequentando e participando de uma igreja, abrir-se aos labirintos de uma nova vida social, relacionamentos, questões, vida de fé, vida consigo mesma. Crescer.

Claro, este não é um privilégio a ser vivido somente por este lindo par de olhos castanhos que vos fala. Crescer é um processo doloroso, lindo e natural, bem como geral. Inevitável. Para alcançar os tópicos da grande lista que se entende por “crescer” um dos primeiros degraus é o trabalho. O ofício, e todas as suas questões relacionadas.

Muitas foram as fases em que me peguei questionando toda a minha rota de vida. O processo do casamento – minha bonita fase atual – tem se mostrado a mais forte delas. Criar uma família, sendo artista? Como seguirei viajando e sendo uma boa esposa? Como criarei meus filhos, se não tenho estabilidade financeira? Estes – você pode dizer – são questionamentos específicos da minha carreira, e pode ter razão. Mas a opção por um trabalho autônomo é sem dúvida muito, muito maior hoje do que foi quando nossas mães se tornavam adultas.

O bilhete para uma vida colorida, com almofadas da Frida Kahlo, cafés e crianças no sling, grupos de discussão com outras mulheres e trabalhos com jornada reduzida continua altamente convidativo e atrativo. Embarcaremos?

Para as que decidem por esta via, muito é questionado. Infelizmente grande parte desta decisão está permeado por um discurso vago de felicidade no trabalho, e por uma ideia cruel de que fazer o que se ama é a única forma de ser completo, e que um trabalho em formato mais padrão é a receita para a infelicidade. Não acho que é bem por aí. Meu ponto é outro. Quero propor uma nova forma de pensar o trabalho que se ama. E questionar isso não me categoriza como pessoa privilegiada, necessariamente. Quero discutir sobre os parâmetros para que uma coisa seja categorizada como “trabalho” e não como “capricho” ou “ocupação”.

Será que estamos mesmo caminhando pra uma nova forma de trabalhar, onde nossas inclinações e dons são melhores aproveitados? Será que não é hora de trazer mais cor e criatividade para os nossos escritórios, gabinetes e telefones, caso seja essa a nossa situação? Ou caso sejamos autônomas ou artistas, não deveríamos repensar o modelo de trabalho em casa?  Um modelo que contemplasse maior estrutura e constância, e que não exista para negar ou contrapor um modelo já conhecido?

Talvez, como uma amiga minha ressaltou, essa também seja uma questão de equilíbrio. Um equilíbrio que anda confuso e inconstante pelo simples fato de não saber o que a Palavra nos diz a respeito. Para entender isto, por que não conversamos e trocamos ideias com mulheres, do mesmo Corpo de Cristo, como irmãs? Como você pensa que deveria ser o trabalho de uma mulher cristã? Você entende ser necessária esta mudança, de trabalhar com um horário próprio e fora de uma instituição? Você considera que alguns trabalhos exigem mesmo constância e seriedade, e que criatividade e inventividade simplesmente não tem espaço (ou são necessários) onde você está?

Este não é, em nenhuma medida, um texto conclusivo. É o oposto, é um convite à conversa. Em meu coração, creio que a sororidade é vital. E quanto mais em nosso meio, onde conhecemos o Amor, como isso está se manifestando em nós e na vida diária das nossas manas por aí?

Por isso eu deixo aqui a pergunta carinhosa, bem como puxo uma cadeira na hora do café (do escritório, da sala de jantar, da mesa de computador e vestida de pijama, do carro parado no trânsito…) pra gente conversar. Como você pensa ser um trabalho que glorifique nosso Pai? Que alterações você propõe ao meu trabalho como artista e ao seu próprio para que a gente se aproxime de um modelo que respeite nossa criatividade, personalidade e fé?

 

 


Esther Alves é cristã,  instrumentista, cantora e escritora. Noiva e dona de dois cachorros lindos e impossíveis. Fã inverterada de tapioca, pizza, passeios de bicicleta e cinema em casa. Aspirante à blogueira e na luta por se tornar organizada, entre outros.


O conteúdo e as opiniões expressas neste texto são de inteira responsabilidade de sua autora e não representa a posição de todas as organizadoras e colaboradoras do Projeto Redomas. O objetivo é criar um espaço de construção e diálogo.

Atualizado em 27/12/2017

One thought on “Sobre brigadeiros gourmet, ensaios fotográficos e concursos públicos

  • 26 de setembro de 2016 em 18:35
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    Que texto bom, amiga. Me fez me sentir muito próxima a ti mesmo até porque já passei e ainda hoje passo por decisões semelhantes as suas.Trabalhar pra mim, desde que me mudei pra Noruega com o Eliezer que veio fazer o doutorado aqui sempre foi uma das principais questões a serem resolvidas.De início me sentia muito mal por não poder atuar na minha área em absolutamente nada.Me formei em Direito e via que minha formação tinha sido jogada por água a baixo já que não atuaria na minha área ( mesmo que todo mundo sempre tenha me dito que Direito não combinava comigo mais pelas minhas roupas hippies e jeito de ser que pelos meus interesses em si… eu ainda assim queria atuar com aquilo que escolhi)..Um ano se passou, Samirzinho tá quase fazendo um ano e agora mais que nunca a urgência de entregar cv se aproxima…Mas sabe que o tempo tá sendo certinho pra eu focar em melhorar meu noruguês, pesquisar uns mestrados e ver outras mil oportunodades que não sabia que eu teria antes…Tô aprendendo que com cada renúncia vem tb uma possibilidade..Se renúnciei ser advogada no Brasil por um tempo pelo menos vou poder me dedicar a um mestrado, a um trabalho que nos ajude a ter um pé de meia decente e até fazer coisas pelo gosto de fazer como fazer comida brasileira em casa e vender pros norugas. Esta ultima por mais simples que seja tem me feito me sentir muito feliz e realizada…Então, pensando aqui comigo …Um trabalho que que glorifique o nosso Pai …é aquele que nós deixa livre pra explorarmos as potencialidades e versatilidades que temos em nós. Todas elas…

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