Eu, a pecadora | Mulher de Lucas 7:36-50

Em seguida, [Jesus] virou-se para a mulher e disse a Simão: “Vê esta mulher? Entrei em sua casa, mas você não me deu água para lavar os pés; ela, porém, molhou os meus pés com as suas lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. Você não me saudou com um beijo, mas esta mulher, desde que entrei aqui, não parou de beijar os meus pés.Você não ungiu a minha cabeça com óleo, mas ela derramou perfume nos meus pés. Portanto, eu lhe digo, os muitos pecados dela lhe foram perdoados, pelo que ela amou muito. Mas aquele a quem pouco foi perdoado, pouco ama”.  Lucas 7: 44- 47

Esse é só mais um dia na minha vida invisível. E olha a ironia: às vezes ser invisível era tudo que eu precisava. Balançando meus cabelos soltos, caminhando na rua logo após o dia amanhecer, posso ver o julgamento no olho esquerdo e o desejo no direito. São invisíveis as minhas razões, meus pensamentos, minhas dores e meus sentimentos, mas o meu corpo? Ele é público, o qual eles insistiam em olhar.

Estava uma correria na cidade, porque o nazareno estava lá. Já tinha ouvido falar dele, diziam que ele tinha olhos doces que viam as invisibilidades – inclusive aquelas que a gente faz questão de esconder. Os donos dos olhos julgadores andavam rápido e cochichavam entre si, mas não deixavam de transparecer seu incômodo com a minha existência.

Muitas pessoas pareciam agitadas, querendo ver o tão famoso visitante, eu também queria ver aqueles olhos. Caminhava meio à deriva, ouvindo as pessoas comentarem: “ele parou tudo que estava fazendo por causa de uma viúva!”.

– Ei, sua vadia! Você está achando que vai ver o mestre? Você não é digna!

E não é que não estou acostumada a ouvir essas palavras, mas elas sempre doem e os olhares sempre cortam. E o pior, ele estava falando a verdade, eu não sou digna. Onde eu estava com a cabeça? Esses olhares que recebo são culpa minha.

O povo logo descobriu que o nazareno se dirigia à casa de Simão. Eu já estava indo embora, afinal, chega de olhares esmagadores por hoje. Mas, de relance olhei pro lado e vi: um fariseu com muito descaso recebendo em sua casa um visitante ilustre em sua simplicidade que, sorrindo para as pessoas, sentava-se à mesa sem se importar com o status de quem estava perto dele.

               – Saia daqui pecadora impura! Você deveria ser apedrejada!

Uma sensação muito grande de impotência tomou conta de mim, mas precisava ver o nazareno. Eu sabia que não podia, que talvez ele não me aceitasse, mas tinha que tentar. Queria liberdade diante da culpa, talvez ele me entendesse! Eu queria perdão diante de uma sociedade que me deu poucas opções de vida. Queria que alguém me visse além do meu pecado.

Fui correndo até em casa e as mães afastavam seus filhos de mim enquanto eu passava. Agarrei o vaso de alabastro, o perfume caro que seria meu sustento na velhice. Na verdade, eu não pensei muito no que estava fazendo, mas tinha alguma coisa que movia, uma força muito além de mim.

Entrei na casa e um silêncio preencheu o local. Comecei a chorar copiosamente. Vergonha. Medo. Culpa. Me joguei aos pés do nazareno. Estava acostumada a ser humilhada, mas naquele momento não me sentia assim. Chorei tanto que molhei seus pés com minhas lágrimas, mas com carinho enxuguei-as usando meus cabelos, aqueles mesmos cabelos que me traziam julgamento.

O privilégio orgulhoso dos homens os cega para ver além dos meus cabelos soltos, para ver os porquês da minha vida amarga, pra me perceber além de um objeto inferior. Mas o nazareno não me interrompeu, ele continuava a me olhar com doces olhos, ele compreendeu completamente a minha dor.

“Dois homens deviam a certo credor. “ Disse o nazareno. “Um lhe devia quinhentos denários e o outro, cinqüenta. Nenhum dos dois tinha com que lhe pagar, por isso perdoou a dívida a ambos. Qual deles o amará mais? “. E Simão respondeu: “Suponho que aquele a quem foi perdoada a dívida maior”. Compreendi o que o mestre dizia, pois quem tinha a dívida maior era eu, além do meu pecado carregava a desgraça de ter nascido mulher.

E ali, em frente a todos, o nazareno Jesus enfrentou todos os estereótipos, os protocolos sociais e as cláusulas da religião. Deixou ser tocado por uma pecadora e ainda mais, sabia que eu era muito além disso. Ele me viu mulher, ele me viu ser humano. Os outros continuavam a me chamar de pecadora, mas agora em meu coração eu carregava a liberdade.

 


Bianca Rati cursa Design Gráfico na UFPR, é cristã, feminista e sommelier de pipoca.


O conteúdo e as opiniões expressas neste texto são de inteira responsabilidade de sua autora e não representa a posição institucional da ABUB, outra instituição ou de todas as organizadoras e colaboradoras do Projeto Redomas. O objetivo é criar um espaço de construção e diálogo.

 

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