Joquebede, uma escolha difícil

Texto base: Êxodo 2: 1-10

Há pouco tempo viralizou no nicho da internet cristã o trecho da música “Joquebede” do Pr. Marcos Paulo, que diz assim: “Oh Joquebede, Moisés não vai morrer! Eu posso ouvir o choro do bebê”.

A mensagem que ficou perdida nas danças e no riso é potente, cheia de amor e cuidado de Deus! Essa frase me lembra muito a fala de Deus para Agar “não temas, porque Deus ouviu a voz do menino” (Gênesis 21:17).

Quem é Joquebede?

Vamos à história: Joquebede é quase uma mulher invisibilizada. Em Êxodo 2, onde ela tem mais protagonismo (dividido com outras mulheres), ela é apenas “a mulher”. Só no meio de uma genealogia, capítulos depois, que descobrimos seu nome (Êxodo 6:20). Também sabemos sobre o que ela passou, mas nada sobre como se sentiu. Apenas podemos supor…

Ela viveu sua gravidez sabendo do risco que enfrentava. Naqueles dias o rei do Egito havia ordenado a morte de todos os nascidos meninos (Êxodo 1:15-16). Sem ultrassonografia não se podia afirmar nem afastar o medo que sentia de ter seu filho morto. Nenhuma mãe deveria temer pelo filho ainda na barriga, mas infelizmente é algo que acontece. 

Grávidas são agredidas por seus parceiros ou ainda morrem na mão da violência policial. Como não lembrar de Kathlen Romeu? A grávida que levou um tiro numa operação policial ao visitar a avó materna numa comunidade no Rio de Janeiro, morrendo ela e a criança. Como esquecer de Antonieli? A mulher morta pelo amante com um “mata-leão” ao lhe contar que estava grávida, em Rondônia. Diante de homens, em seus lugares de poder, grávidas têm medo por seus bebês.

Quando nasceu um menino, deve ter sido desesperador! Mas Joquebede não se entregou à inevitabilidade do destino da criança. Por mais que seja sem sentido, ela tentou escondê-lo. É quase impossível esconder alguém, ainda mais um bebê e naquele contexto, por uma vida inteira! Para mim, a tentativa dela parece com a de tantas pessoas desesperadas que acobertam alguém que está sendo ameaçado. A história mais difundida é a de Anne Frank, mas isso já aconteceu em muitos locais e épocas.

Assim como no caso de Anne, o plano só dá certo por um tempo. Não sabemos o que levou Joquebede a desistir, mas o tempo todo ela fez o melhor que pôde. Inclusive, não podendo mais escondê-lo, ela preparou um cesto. O cuidado que tem para fazer deste o melhor abrigo temporário mostra o esforço para fazer tudo que estava ao seu alcance. O resto estava na mão de Deus! Quantas mães hoje em dia não podem garantir o mínimo de segurança para seus filhos? Estão cercadas por situações como viver numa zona de guerra, passar fome, ou “apenas” viver num país racista onde é possível que seu filho não volte para casa. Todas as mães que vivem nessas situações sabem que depender de Deus não é nem uma escolha, é uma necessidade!

Joquebede e adoção

Joquebede amava seu filho e iria protegê-lo mesmo que isso lhe custasse entregá-lo. Aqui quero me alongar mais, como futura mãe por adoção, que encontra tanto preconceito no meio da igreja, quero apontar que essa história é uma das que me respalda e me mostra que Deus está com essa causa.

Nunca ouvi ninguém rechaçar Joquebede por entregar o bebê. Nem nos púlpitos, nem em devocionais ou outros livros, nem mesmo no Ministério Infantil, um lugar que conta essa história com frequência. Mas ao mesmo tempo, também naturalizam a dor e violência que aconteceram com ela. 

Na vida real, igrejas, evangélicos e até mesmo a sociedade cristã em que a gente vive acusam, criticam, julgam, diminuem, invalidam, violentam mulheres que passam pela situação de Joquebede. Todos os dias mulheres grávidas passam por situações de desemprego, desalojamento, fome, frio, violência doméstica, morte, falta de estrutura psicológica e não desejam isso para seus filhos. 

Entrega voluntária para adoção

Ao contrário de Joquebede, que não sabia o que ia acontecer com seu filho, no Brasil existe um jeito seguro, legal (perante a lei) e cuidadoso: a Entrega Voluntária para adoção!

Existe uma fila enorme de famílias que estão aguardando um bebê. Famílias com condições (e isso não significa que não podem ser pobres) que estão ansiosamente e longamente esperando por esse filho. Elas já amam essas crianças e inclusive foram preparadas para isso (para estar na fila de adoção você precisa fazer curso e passar por psicólogo e assistente social). Muitas vezes o bebê já sai do hospital para casa da sua família (adotiva). 

Já a grávida tem direito ao anonimato e a suporte psicológico para tomar (ou não) essa decisão. A gestante ou mãe pode manifestar interesse de entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento até mesmo para a equipe no hospital.

Mas cuidado! O processo descrito aqui é diferente da entrega do bebê para terceiros sem o intermédio da justiça ou abandono. Ambos são CRIME![1]

Já a Adoção é Deus cuidando dos filhos de mulheres que vivem em vulnerabilidade! É Deus ouvindo o choro do bebê, é Deus ouvindo o choro de Joquebede! Deus enviou a filha de faraó, que escolheu o menino para fazer parte da sua família. Deus envia pais e/ou mães para adotar crianças e torná-las filhos!

No desfecho, Deus lhe dá a benção de conviver mais tempo com seu menino, de criá-lo, de amá-lo de perto. Dessa vez sem o perigo. Penso nisso como um carinho de Deus com Joquebede e uma maneira de Deus cumprir seu propósito na vida do povo através de Moisés. Hoje no Brasil, apenas a partir dos 18 anos (adotado ou abrigado) tem o direito a conhecer sua história toda e saber sobre sua família biológica, se desejar. 

Apesar de Joquebede ser a personagem principal dessa reflexão, vale salientar que na adoção, a criança é o centro. O objetivo é o bem estar dela. A família de origem (Joquebede no caso) é priorizada pois entende-se que ela deve permanecer com os seus. Apenas quando a família biológica não se entende como família daquela criança, gerando negligências físicas ou psicológicas, que a adoção é acionada como meio de encontrar uma família de verdade para ela.

Diante de tudo isso, podemos refletir sobre:

  • Como você acha que Joquebede se sentiu durante sua gestação? E depois que descobriu que era um menino?
  • Você consegue enxergar que mulheres em situações de vulnerabilidade têm menos escolha? Como podemos pensar direitos e políticas públicas para essas mulheres?
  • Que atitudes você considera semelhantes a uma mãe “tomar um cesto de junco, calafetar com betume e piche” na nossa realidade? Você acha que já fez isso para seus queridos?
  • Você acha que a igreja e a sociedade julgam as mulheres que entregam seus filhos para adoção da mesma forma que enxergamos Joquebede? 
  • Você já viu a Entrega Voluntária ser divulgada? 
  • Você percebe que Deus cuida dos seus queridos e acolhe a sua dor? Como isso faz você se sentir?

Deus é o Deus das mães

Deus é o Deus das mães! Deus é o Deus das mães que sofrem por seus filhos. Deus é o Deus das mães que se encontram encurraladas pelas situações. Deus é o Deus das mães que precisam fazer difíceis e dolorosas escolhas por seus filhos.

Que as Joquebedes dos nossos tempos possam ser entendidas e acolhidas. Que possamos agir pessoalmente, institucionalmente (como igreja inclusive), profissionalmente e eleitoralmente para diminuir a vulnerabilidade e possibilitar que mais mães fiquem com seus filhos, se desejarem.

Esse texto não encerra o assunto. Esse é apenas um recorte que também mostra a complexidade do tema e combate o pré-conceito contra Joquebedes. Muito ainda poderia ser dito sobre a filha de faraó, Moisés e outras adoções da Bíblia, especialmente sobre Deus ter nos adotados como filhos. Trazendo para a nossa sociedade, muito ainda poderia ser dito sobre adoção não ser caridade ou um tratamento para infertilidade ou uma solução para melhorar o mundo. Esse é apenas o pontapé inicial! Que a partir dele se abra a possibilidade de repensar a adoção/entrega de bebê sem romantiza-la ou demoniza-la.

[1] Lei nº 8.069/90, Lei nº 12.010/09 e Lei nº 13.509/17, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).


Gabriela de Castro Corrêa, apaixonada por Deus, gestora ambiental, futura mãe por adoção, professora de adultos e crianças (inclusive do Ministério Infantil) e inconformada com injustiças. Sempre quis mudar o mundo por isso estou sempre falando de temas invizibilizados, principiante mulheres, crianças, adoção e meio ambiente.


O conteúdo e as opiniões expressas neste texto são de inteira responsabilidade de sua autora e não representa a posição de todas as organizadoras e colaboradoras do Projeto Redomas. O objetivo é criar um espaço de construção e diálogo.

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