A mãe negra e o amor

Vivenciar o amor da perspectiva de uma mulher negra não é algo simples, e quando se tem o bônus ou ônus de ser mãe negra faz com que toda essa situação promova uma carga emocional e psíquica difícil de ser elaborada internamente.

A mãe negra é aquela pessoa vista como forte, guerreira e esforçada. Aquela que sempre dá conta de tudo e de todos, pois no geral está sobre ela a responsabilidade quase que exclusiva de cuidar dos filhos, além dos cuidados com a rotina diária, tendo muitas vezes duplas e triplas jornadas de trabalho. Contudo ninguém consegue ver o quanto essa mulher está sobrecarregada. Ela sempre é aquela que está pronta a ajudar e auxiliar a todos ao seu redor acima de qualquer cuidado consigo mesma, colocando suas necessidades e interesses em última instância.

Porém toda essa fortaleza esconde uma mulher fragilizada emocionalmente que gerou dentro dela uma carência que a faz procurar de alguma forma o mínimo de cuidado, mas essa busca é altamente negativa, já que se usa dos vínculos afetivos como rota de fuga, na maioria das vezes se colocando em riscos por um pouco de atenção, sem perceber que estes laços são tóxicos e que ao invés de promover uma troca emocional saudável simplesmente sobrecarrega ainda mais essa mãe que está exausta.

Muito se fala do preterimento da mulher negra e de sua hiperssexualização, frutos de uma sociedade racista e machista, fatos esses que são mais graves na vida da mãe negra, que é mais julgada e oprimida em seu meio social, e afetam diretamente a sua autoestima, pois ela é vista apenas como um objeto para uso sem moderação de todos que estão ao seu redor, sejam eles os próprios filhos, parceiros, amigos e familiares. Mas pouco se fala de formas de autocuidado, preservação, empoderamento e fortalecimento dessas mães negras. Neste momento que a espiritualidade trabalhada de forma consciente e inclusiva se torna uma ferramenta poderosa de força e cura.

Quando lemos a Bíblia utilizando os ensinamentos de Jesus como a chave para interpretar cada texto contido nas escrituras sagradas, podemos ver como Jesus na sua passagem pela terra humanizou as mulheres mostrando a sua importância e o seu valor. Observando o texto sagrado é possível ver em vários momentos Deus em sua forma trina se importando com a mulher e agindo de forma a demonstrar que Ele não tem um gênero definido, Ele é simplesmente Deus, Ele se mostra como um Pai na oração do Pai Nosso (Mateus 6:9-13), mostra-se como uma mãe zelosa (Isaías 49:15) e também como um marido presente se mães negras precisarem de um carinho e afeto (Isaías 54:4-6).

Deus se coloca como marido, não esse marido que está sendo reproduzido diariamente na maioria dos lares, um homem violento e omisso, mas sim o marido segundo o texto de Efésios 5:25, Aquele que ama a sua esposa da mesma forma que Cristo amou a sua igreja, dando a sua vida na cruz por sua noiva.

Em Cantares de Salomão há uma passagem ímpar que mostra o relacionamento do Rei com a sua amada, em que a noiva descreve o Rei como uma macieira que a conforta com maçãs e a sustenta com passas (Cantares 2:5), fazendo uma analogia do Rei e a Noiva sendo Deus e a sua igreja. Esse texto é de uma profundidade tamanha, pois demonstra que o ser humano possui necessidades além da presença d’Ele que conforta toda a carência humana. E Ele está disponível e disposto a sustentar o que é necessário na vida humana, seja no físico, no emocional, no sentimental e também nos relacionamentos.

Nessa passagem é possível ver claramente que Deus como companheiro diário não desampara a humanidade, e por mais que a sociedade sobrecarregue a mãe negra, ela precisa vislumbrar esse amor, carinho e cuidado. Mais do que ser forte e guerreira como todos afirmam, você é especial, você tem valor, você é amada.

Fecho esse texto dizendo, se eu, como mulher mãe negra, pudesse dar uma palavra para aquela mulher que está cansada e quer encontrar um pouco de descanso e afago no amor, eu diria: procure alguém que te ame como Cristo amou a sua igreja. Enquanto isso se ame, se cuide, pois a maior recomendação bíblica é “ame o teu próximo como a ti mesmo”, então como você vai amar o próximo se não está se amando? Amar o outro e não se amar é auto sabotagem.

Que essa semana da consciência negra seja um início para a promoção do autocuidado e preservação a partir do amor de Deus refletido em Cristo pela sua amada noiva, que também é Mãe e Negra.


Rosângela Alffa, 33 anos anos, cristã, divorciada, mãe do Aleph e do Caleb, Maquiadora, Trancista, Jogadora de Vôlei, dançarina e escritora nas horas vagas.


O conteúdo e as opiniões expressas neste texto são de inteira responsabilidade de sua autora e não representa a posição de todas as organizadoras e colaboradoras do Projeto Redomas. O objetivo é criar um espaço de construção e diálogo.

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